Todo caminho leva a uma escolha. Se perder é a melhor coisa da vida

Certas bonanças da existência, nós só experimentamos porque nos perdemos. Ao contrário do que reza a cartilha do racionalismo mais rasteiro, nem sempre o caminho mais curto é o melhor. Esse aprendizado eu tive na ilha de Bali, logo de saída, no encontro com o primeiro templo budista de minha estadia.
Nem sonhava em ter uma rota estruturada para conhecer a ilha de Bali como um todo, minha primeira arquitetura religiosa foi um encontro às escuras, sem a menor intenção. Na realidade, quase fui atropelado por esse templo. Contudo, posso dizer, foi o melhor “tropeço” que poderia ter acontecido. Quase morro de tanto rir, foi o inesperado do inesperado. De tão bom, nem deu tempo de me assustar. Protegido pelos mais de mil deuses hinduístas que habitam a ilha de Bali, de qualquer maneira, eu sabia, retornaria ao meu lar em segurança. Só podia me garantir nisso, e essa grandeza seria meu tudo.

Estava procurando casa para alugar. Queria morar entre os balineses comuns. Pense numa empreitada difícil, talvez, das mais difíceis que tenha encarado na viagem. Em parte, isso porque, consultei buscas, nos sites especializados em aluguel de casas, utilizando a língua inglesa. House for rent, eu digitava. Nunca chegava a um resultado satisfatório, minhas expectativas gostariam de encontrar casas mais baratas para alugar. Mas, da maneira que estava procedendo, não iria conseguir nunca. Essa é a maior verdade. Preços altos, poucos imóveis disponíveis e um capitalismo que sabe muito bem o que é um turista longe de casa.
Não tardou para eu compreender a questão, o que estava acontecendo por trás do meu parco inglês. Conheci um balinês que, gentilmente, me enviou alguns links de casas para alugar e percebi que tais páginas estavam escritas em bahasa, dialeto local. Rumah sewa significava casa para alugar. Tinha que procurar casa em bahasa! Fiquei de boca aberta com a diferença dos preços e com as variedades de escolhas de imóveis. Tudo bem mais barato e mais original. E você aí achando que inglês resolve tudo? Só que não! No sudeste asiático, se dá melhor quem conhece as línguas locais. Inglês é para haule, nunca se esqueça desse detalhe!
Não posso reclamar, consegui uma de minhas casas por quinze milhões de rúpias que, em moeda brasileira, dava, mais ou menos, três mil e quatrocento reais, por um ano de locação. Valor inacreditável para a realidade brasileira. Pois bem, tendo escolhido minha moradia temporária pela internet, fui em busca da localidade indicada com minha velha bicicleta.

Como sou um virginiano doente, me desloquei um dia antes para encontrar o endereço da casa e, na data marcada com o corretor do site, não arriscar um atraso, no horário previamente definido. Eu sei, sou um brasileiro meio britânico, minha namorada sempre diz isso. E, até então, não sabia me perder, ficava muito angustiado no meio do desconhecido.
Peguei as pequenas, estreitas e movimentadas ruas da capital Denpasar, através da Jalan Sunset Road, em direção à Jimbaran. Quando cheguei à famosa estátua Patung Dewa Ruci, que representa a devoção de um discípulo ao mestre, dei de frente com um conflito urbano. Se continuasse em frente, daria na avenida Jalan By Pass Ngurah Rai, mas, se dobrasse à esquerda, incrivelmente, daria numa avenida com o mesmo nome. Lógica inacreditável para um ocidental. Como pode duas avenidas com o mesmo nome? Fiquei naquela encruzilhada, sem saber que caminho me levaria à casa indicada pelo site. Arrisquei, peguei à esquerda. Segui adiante, nada do endereço, quem disse que eu achava? Já estava cansado, resolvi voltar, não iria encontrar mesmo, tinha percebido.
No momento do retorno, me dei mal, novamente. Em Bali, não dá para se ferrar uma única vez nos endereços... A aventura tem que ser grande. Ao invés de descer a Jalan By Pass Ngurah Rai, entrei em uma rua totalmente desconhecida, pela qual não havia passado, em nenhum momento. Minha gente, como eu fiz isso? Foi punk, quando percebi, já era tarde demais. Estava perto de um lago, cheio de barquinhos, com mangues, chamado baía de Benoa.

Estava perdido, mas restava um pouco de coragem. Na realidade, nada poderia ter sido mais instigante. De tanto procurar uma saída adequada para chegar à minha cama e dormir, esbarrei em um dos templos mais delicados de Bali. Foi surpreendente. Vihara Satya Dharma significa, em sânscrito, a lei verdadeira.
O templo foi construído em madeira talhada, recebendo uma delicada camada de pintura, bem colorida, com detalhes, predominantemente, vermelhos e dourados. Assim manda a tradição do antigo império chinês.
O altar central do templo confucionista, dedicado aos navegadores, negociantes, caixeiros viajantes, se devota a Tian, que representa, nos signos da natureza, o céu. Os chineses e sua eterna ligação com os fenômenos da natureza. Imagina, ter como divindade um céu azul cheio de nuvens branquinhas. Bem diferente de um homem morto na cruz. O Oriente é verdadeiramente um outro mundo, sua população possui uma relação mais sistêmica com a natureza. A realidade é que Vihara Satya Dharma é estonteante, suas lanternas vermelhas tomam conta do pátio principal dessa arquitetura que de noite fica inacreditável.
Por incrível que pareça, o templo é uma construção contemporânea. De antigo, ela só possui as tradições, que se revelam no design da obra. Foi construído entre 2006 e 2012. O que mais espanta é perceber que, em pleno século XXI, tantas pessoas ainda acreditam, valorizam e empreendem num tipo de arquitetura totalmente artesanal, numa espécie de chinese folk religion archicteture. Vou dizer uma coisa, é emocionante, dá lágrimas nos olhos. No Ocidente, seria quase impossível. Nossos templos budistas, não são tão elaborados. Perdemos a paciência com a minúcia.

Um ano é pouco tempo para compreender a cultura balinesa, é ainda mais curto quando tentamos entender o povo balinês. No entanto, uma coisa eu posso dizer, Bali é lenta. Sua população contempla a duração. Se perder é um dos grandes lances para melhor conhecer a ilha e suas incontáveis tradições. Mas, não somente. Aprender a lidar com os desencontros da vida é uma necessidade para o bem estar humano. Os budistas nos ensinam valorosamente: se não temos como mudar um acontecimento, melhor não se aperrear com ele. Caso contrário, teremos um problema real e uma imaginação sobre esse problema real. É muita sobrecarga para nosso espírito. Tudo é transitório e, nesse sentido, não existem erros. No meio do caminho, quando pensarmos que as coisas não funcionaram como o esperado, poderemos nos lembrar de que sempre pode acontecer, na nossa vida, um Satya Dharma, como uma bela lei da verdade inesperada.
Selamat Tinggal!
Hati Hati
Abraços,
Anderson Lucena e Laura Tatu